domingo, agosto 12, 2018

Histórias de Júlia: Orelha Completa


Aos que já compraram o romance Histórias de Júlia, de Suênio Campos de Lucena, e aos que ainda irão adquiri-lo, peço que desconsiderem o texto da orelha, assinado por mim, pois está "entrecortado" nalguns parágrafos. Não é culpa do editor nem do autor. Eles me pediram uma orelha em 15 linhas. Mas eu não consigo escrever sobre um romance em 15 linhas. Escrevi 30. Esquálidas 30 linhas que, a meu ver, dariam ao leitor uma visão geral do livro (é o que uma orelha deve fazer). Tanto Suênio quanto Gustavo me pediram para cortar o texto original, entretanto, eu estava em processo de escrita de um artigo para minha progressão de carreira a titular na UEFS, e não o fiz. Agora, ao abrir o livro, percebi que alguns cortes tiraram a lógica do que eu pretendia expor. Por isso, deixo aqui o texto completo. Vocês verão que, na origem, não sou tão fragmentada assim.

Se você pudesse indicar um livro para salvar a vida de uma pessoa, qual seria? Livros não salvam vidas, você dirá. Calma, depende de nossa definição do verbo “salvar”. Na concepção de Júlia, personagem central do romance de Suênio Campos de Lucena, “salvar” equivale a se autoconhecer e, a partir desse domínio de si mesmo, ser capaz de se transformar no ator principal de sua própria vida.

A graciosa tese da personagem — órfã, inquieta, adolescente e ainda virgem — foi aprendida com o avô, amante de literatura, que desde cedo a introduziu no labirinto da leitura. Lidando com uma realidade duríssima para uma menina tão sensível, na imaginária Miosótis — que vai lembrar ao leitor muitas das cidades do interior do Brasil —, Júlia atravessa situações complexas como preconceito, suicídio, rigidez de costumes, limitações culturais, homofobia, violência, inveja, mesquinhez, machismo, perda da inocência, descobertas sexuais, entre outros temas que são abordados no romance.

Contextualizado nas décadas de 1980-90 — profícuas, mas ainda pouco exploradas na ficção nacional —, Histórias de Júlia é um romance cujo narrador já está distante o suficiente daquilo que viveu e pode recuperar o melhor dos fatos, mas sem deixar de dialogar com aspectos do vivido que não estão necessariamente na memória da protagonista, todavia, complementam o contexto, quer enriquecendo-o, quer justificando-o. Um exemplo dessa técnica de narrar para além do que o personagem realmente vivenciou, permitindo que o leitor conheça também outras realidades paralelas, pode ser percebido logo no segundo parágrafo do livro, quando Júlia nos conta que estavam em 1989, mas não se ocupavam de conversar sobre o muro de Berlim nem acerca da primeira eleição direta para presidente no País, após anos de governo militar. Nessa e em outras tantas passagens, o romance mescla uma macro visão do cotidiano das pequenas cidades brasileiras nos anos de 80-90 às aventuras de uma menina quixotesca, que vê muito, ouve demais, fala demasiadamente, e sonha resolver os problemas do mundo com um bom livro — espelho que fará com que o outro apreenda nuances tão sutis e tão contraditórias da condição humana que, se explicadas por outra via, que não a literária, jamais funcionariam de forma tão cabal, como Júlia deseja.

Állex Leilla

Um comentário:

Em Não se vai sozinho ao paraíso, primeiro romance que integra a trilogia místico-erótica de Állex Leilla — cujo centro são as micro-...