sábado, abril 02, 2016

Caros petistas — eternos, declarados, beneficiados, insanos, sinceros, isentos e afins



A postura abusiva de vocês já ultrapassou todos os limites do bom senso. Por isso, peço-lhes, humildemente, que atentem para algumas regras que são imprescindíveis à humanidade, independentemente de quem tem o sangue "verde-amarelo" ou "vermelho". São elas:

1. Vocês não inventaram a história, tampouco a verdade, assim como não saiu da cabecinha de vocês a noção de interpretação e perspectiva. Vocês podem, evidentemente, aproveitar as ideias foucaultianas de micro-história, micropoder e, citando Pesavento aqui e ali, trazer à tona tudo aquilo que vocês considerarem excluído dos "discursos oficiais", tudo aquilo que pode ser relacionado às histórias de vencidos e minorias. Mas isso não os transforma automaticamente em donos dessas histórias nem dessas classes, gêneros e etnias. Façam o que fizerem, usem a teoria que for, vocês continuarão sendo, na melhor das hipóteses, um pesquisador como outro qualquer. Pior: o que vocês produzem é passível de interpretação e de uso ideológico para criação e/ou manutenção de outras formas de exclusão. É injusto? Cruel que seja assim? Pois é, a vida é dura, companheiros.

2. Vocês não são donos da liberdade, nem das formas artísticas de expressão, tampouco dos nossos institutos, fundações e universidades. Não, o fato de terem lutado contra a ditadura militar no Brasil não lhes dá nenhum direito à apropriação, hoje, das instituições públicas brasileiras, inclusive porque a sua luta, vamos esclarecer, não era em prol de democracia alguma, mas da implantação de um outro regime tirânico, mundialmente conhecido como ditadura do proletariado, cujas consequências práticas podem ser analisadas através do saldo do stalinismo, da China, de Cuba, Coreia do Norte etc. As universidades públicas, as atividades jornalísticas, até mesmo a música popular, o teatro, o cinema, a literatura e demais formas de expressão, acreditem!, não têm dono. Eu sei, vocês foram (de)formados anos e anos para acreditar que esses espaços só são "bons", "autênticos" e "admiráveis" quando trazem alguma contribuição à mentalidade revolucionária de esquerda. Eu também fui educada assim. Tá tudo certo, tá tranquilo, só que non, entenderam? NÃO. Aceitem. O não faz parte do desenvolvimento do ser humano na Terra. Com o tempo, nem dói tanto assim.

3. Vocês não têm direito de usar cargos nem espaços públicos para disseminar propagandas e crenças partidárias. Quando um reitor de uma universidade pública convoca a comunidade acadêmica para uma semana de debates em que "discutirão a crise democrática" com deputados e representantes do PT, PSOL e PC do B — entre outros debatedores claramente contra o impeachment em andamento no Congresso — ele deve, antes, avisar à comunidade acadêmica e povo em geral que está usando um cargo público numa instituição igualmente pública para uma semana de PTocracia ou, se quiser ser mais plural, esquerdocracia. Isso não tem nada a ver com debate acadêmico, tampouco com democracia. É uma reunião para quem comunga da mesma opinião política. Poderia ser realizada, inclusive, na casa de algum dos participantes, onde (imagino!) o dinheiro público ainda não está custeando a luz, a água, o cafezinho etc. Isso é abuso de poder e falta de ética, não condiz com a postura de um servidor público. Igualmente ocorre abuso de poder e falta de ética quando:
a) um funcionário do Itamaraty manda telegrama oficial às embaixadas avisando que haverá golpe no Brasil;
b) a diretoria da ABRALIC envia e-mail com slide em prol de Dilma para os professores que estão cadastrados na associação;
c) colegas usam essas mesmas listas acadêmicas para enviar textos de pensadores petistas e manifestos em prol da manutenção desse governo;
d) colegas dão replay numa comunicação ordinária do departamento para enviar, coletivamente, uma convocação para passeatas e debates em prol do governo federal;
e) pessoas que estão em cargos de representação cultural nos enviam convites para participar de ato público pseudo-democrático — leia-se, em defesa de Dilma, tal dia e tal hora, em Salvador, no Campo Grande.

Sei que a ética de vocês é tão relativa que devem achar isso natural, democrático e de direito. Mas peço que façam um exercício simples de inversão: e se alguém usasse esses mesmos espaços com mensagens contrárias ao PT? Se alguém lhes mandasse convite para ir às ruas se manifestar de verde-amarelo em defesa da Lava Jato, do impeachment e da salvação de nosso País? Vocês achariam democrático? Pois é, pois é. Democracia tem disso: a gente é obrigado a tolerar diferenças, mas não abusos.

4. O amor que vocês têm pelo Lula não faz dele o melhor presidente de toda a história brasileira, e mesmo se o fizesse, ser um bom presidente não é justificativa para cometer crimes. Querem pensar idiotices assim? Pensem até queimar os neurônios, mas deixem o resto das pessoas acompanhar, em paz, o que está sendo levantado, gradativamente, pelas investigações, a saber:
a) corrupção generalizada;
b) enriquecimento ilícito;
c) formação de quadrilha;
d) tentativa de influenciar o STF;
e) intimidação do Ministério Público Federal;
f) apropriação de dinheiro público;
g) aparelhamento da Petrobras, BNDES, entre outras instituições públicas;
h) envolvimento no assassinato de Celso Daniel.

Ah, não tem nada provado contra Lula? OK. Em toda investigação, toma-se o que se chama indícios até se chegar às provas. Por não ter nada provado é que ele está sendo INVESTIGADO e não PROCESSADO. Tenham fé, torçam, respirem fundo e aguentem: é uma longa investigação em curso. Chamar o juiz Moro de vendido ao PSDB não vai auxiliar em nada, gostando ou não, a investigação continuará. O mais importante é entender que o mundo é difícil, companheiros! O mundo é concreto e nem sempre funciona como uma extensão de nossas emoções e afetos, por isso, o fato de vocês gostarem tanto desse político não invalida nenhuma investigação de suas ações. Querem protegê-lo? Levem-no para casa de vocês. E se acaso chegar o tenebroso dia em que o juiz Moro mandará tocar sua campanhia com a ordem de prisão para esse seu político tão idolatrado, querido, de estimação, não se desesperem. Mantenham a calma, acompanhem-no à porta da cadeia, abracem-no e prometam voltar todos os dias de visita. Nesses dias, levem maçãs, suco de laranja, uvas, castanhas, arroz integral... enfim, a comida da prisão não é boa, vocês sabem. Ainda haverá muitos recursos, anulação de prova X ou Y, diminuição da pena por bom comportamento ou por colaboração à justiça, permissão para cumprir a pena em regime domiciliar, uso de tornozeleira... ufa! Não tem nada mais longo e complexo do que a nossa justiça, certo? Então, para que esse desespero infantil? Deixem disso! Olhem o pessoal do mensalão aí, quase todo mundo já está solto. Bandido no Brasil, se tem dinheiro, quase sempre se dá bem. Tá tranquilo, tá legal.

5. Parem com essa antipatia de acusar os outros de ódio e polarização. A construção do ódio, e consequente racha do País em "nós" e "eles", não é uma artimanha da direita, nem do PSDB. É uma estratégia criada por João Santana na última eleição de Dilma. Essa estratégia foi agora ressuscitada pelos bloguistas, artistas, faceboquistas e demais defensores do governo. O problema é que essa é uma estratégia de risco, assim como ocorreu na eleição, quando o candidato Aécio — carente de ideias e dono de uma das piores campanhas de oposição que já presenciamos — simplesmente aproveitou a deixa de João Santana e passou a responder com igual emotividade às polarizações Nordeste X Sul-Sudeste, ricos X pobres, brancos X negros, mulheres X homens, homossexuais X heterossexuais etc. Essas animosidades sempre existiram no Brasil? Mas é claro, meu bem! Porém, elas nunca foram usadas tão sistematicamente em prol de um candidato ou partido. Deu certo? Deu, a presidente foi reeleita. Houve risco? Houve, foram 54.501.118 (51,64%) contra 51.041.155 (48,36%). Não sei por que vocês querem trazer de volta essa estratégia de risco numa situação que nem é de eleição. Todavia, ressalto que a questão do Bem X Mal é muito complexa, e se vocês não estão preparados para revanches, se não entendem que a criatura pode se voltar violentamente contra o criador, então, não deveriam ter comprado a ideia. Sim, o feitiço vira contra o feiticeiro repentinamente, é da condição humana, não tem jeito. Mesmo se vocês pedirem aos cinco ministros, que Dilma disse ter no Supremo, para legitimar o uso unilateral e estratégico do ódio unicamente pelo PT, o povo é danado de teimoso e não vai atender. Colocar em cima dessa estratégia aquela outra de Lênin (acusem seus inimigos daquilo que você faz) não vai funcionar no meio de ânimos tão acirrados. O monstro se ergue da noite pro dia, sabem? Se não aguentam, não desçam pro play, porque muitas brincadeiras matam.

6. Vocês não têm direito de levar representantes do MST para disseminar ameaças no Planalto. O Planalto está apenas ocupado pelo PT, mas não é propriedade do PT. É um espaço da União. Cuidado, prometer invadir a casa das pessoas é crime. Tanto se essa promessa for feita ao lado de Lula, em palanques, quanto se for ao lado dessa mesma presidente eleita pelo voto direto e que, na cabeça de vocês, não merece impeachment. Não é a primeira vez que são divulgadas ameaças de violência, greves, invasão de casas e instituições, se Lula for preso e Dilma for deposta. Vejam, as pessoas já estão respondendo verbalmente a isso nas redes sociais. Há chefes de família ostentando seu porte legal de arma e dizendo: pode vir MST. A sede do PT foi atacada três vezes. Que acontecerá depois? Fortalecimento da Bancada da Bala no Congresso? O que querem com isso? Nos dizer que o MST tem tanques, tem armas e recolocará no cargo uma presidente deposta pelo Congresso? Estão alertando ao povo brasileiro que vocês têm acesso a um poder paralelo? É isso? Devemos, assim que o impeachment ocorrer, se ocorrer, botar as forças armadas e demais polícias na rua? Vamos nos preparar antecipadamente? Olha que a brincadeira cresce, cuidado! Crianças sem educação e longe dos pais são danadas pra causar acidentes fatais.

7. Guardem seus amiguinhos isentos exclusivamente para vocês. Ninguém quer saber deles. Essas pessoas que começam a abordagem explicando que não são petistas, muito pelo contrário, só não acham certo dar o golpe numa pessoa eleita pelo voto direto (claro, imagino que já existiram muitos impeachments contra presidentes não-eleitos pelo voto direto no Brasil). Sim, não são petistas, mas entram sem a menor cerimônia em nossos posts e caixa de e-mails para divulgar não apenas um argumento imbecil de Gramsci ou Paulo Freire, mas um texto de um professor jurista muito estudado, de um sociólogo de renome, um artista popular consagrado, um economista de prestígio que, pasmem!, também não veem motivo para impeachment. Ora, não veem motivo para impeachment! Pois comprem um par de óculos, meus caros. Façam cirurgia de catarata. Aprendam braile. Peça a um bom cristão pra ler todo o processo jurídico pra vocês. Não vê?, problema seu, eu vejo. Mas não me venham com essa isenção política criada por Duda Mendonça quando quis fabricar o Lulinha paz-amor. Sim, eu também era eleitora de Lula e achei maravilhoso. A gente se concentrou em pegar depoimentos de pessoas sem passado na esquerda nem na direita, pessoas não-petistas, isto é, isentas, mas que iriam dar um voto de confiança no Lulinha, iriam apostar na esperança. Agora, em época de crise, trouxeram essa beleza de raciocínio de volta. É excelente. Muito melhor do que o do enfrentamento que gera um racha no País. Se eu ainda desse aula de redação publicitária, usaria esses exemplos, dariam boas discussões. Mas, enfim, já conhecemos esse filme, ninguém está interessado, OK?

Observando essas regras básicas para o bem do povo e felicidade geral da nação, vocês têm meu total respeito. Continuem. Lutem, lutem. Mas não esqueçam a ética, não furem a lei, não abandonem a decência. Lutar é um direito que lhes cabe. Boa sorte. Vão em paz.

7 comentários:

  1. Muito bom seu texto. Considerando seu ponto de vista, ainda não tinha visto um tão bem articulado nem tão educado! Parabéns! A luta está aí para todos, não é?

    ResponderExcluir
  2. Gostei do texto até o último parágrafo. Ali acho que há um problema quando você diz "lutem". Lutar pelo quê? Também fala de decência? Acredita mesmo que eles tenham alguma? E, sinceramente, que respeito eles merecem?

    ResponderExcluir
  3. Kkkkkkk, bem, estava tentando ser educada. Meu pai, mesmo sendo comunista, me educou muito bem. O assédio e falta de respeito com que essas pessoas estão "defendendo" suas convicções políticas dentro de espaços públicos - como das universidades, por exemplo -, têm me deixado com vontade de retomar minhas aulas de Taekwondo, que abandonei na faixa verde. Talvez seja a única forma de responder corretamente "essas agressões". Obrigada pela sua leitura.

    ResponderExcluir
  4. Állex: muito bom seu texto, coerente e muito direto... Eu costumo não me manifestar politicamente nas redes sociais até para evitar esse confrontamento exagerado esquerda x direita - os animos estão exaltados e a incoerência impera em todas as visões... Parabenizo pela sua clareza de idéias!

    ResponderExcluir
  5. Mais lúcido, impossível.Irrefutável!

    ResponderExcluir
  6. Állex,não tenho muito o que dizer, então: parabéns pelo texto.

    ResponderExcluir

Em Não se vai sozinho ao paraíso, primeiro romance que integra a trilogia místico-erótica de Állex Leilla — cujo centro são as micro-...