terça-feira, outubro 29, 2013

Impressões FLICA


1. É a terceira vez que venho à Cachoeira, penso quando a Van cruza as ruas de Santo Amaro. E todas as vezes que vim foi em função de eventos literários. Isso é bom, não?
2. Pensamento que não quer calar: por que será que Santo Amaro é tão feia, não herdou nem um tantinho assim da beleza de Cachoeira? Sim, sei que nasci numa cidade igualmente feia, mas não estamos passando por ela neste instante!
3. Faz muito calor na cidade literária de Cachoeira, e é um calor um tanto seco, não tem essa umidade "graças a Deus" de Salvador. O atendimento nos bares e restaurantes é tão ruim quanto o da capital, mas a cerveja é sempre geladíssima (coisa rara em Salvador)! E uma Heineker gelada tem seu lugar!
4. "Entre flores e espartilhos" é o tema da minha mesa, com Jorge Portugal mediando e Sylvia Day do outro lado. Tudo gira em torno do erotismo, quase todas as perguntas. Há muitos rostos conhecidos no meio da plateia: alunos, orientandos, professores da UEFS, o pró-reitor e sua esposa... Alguns escritores também. Do meu lado direito, Pepetela assiste ao debate, seríssimo.
5.Perguntaram a Sylvia Day se ela é ciumenta, se ela acha certo a mulher dar uma de vítima, se ela se incomoda de ser tachada de escritora "erótica". Me perguntaram se eu concordo em excluir Eça de Queirós e Machado de Assis da literatura, por serem ambos misóginos. Sai pra lá, sangue ruim, pensei na hora, mas respondi educadamente: não, claro que não concordo, escritores são de carne e osso, não são deuses infalíveis, escrevem com sua época, suas limitações, seus erros e seus acertos, ao lado da misoginia, há perfis femininos maravilhosos nos dois autores - nem me lembro dessa misoginia toda em Machado de Assis... De quem será que se desejava falar, afinal?
6. Me perguntaram se sei a diferença entre fetichismo e sadismo, bem como a diferença entre um "não" que quer dizer "sim". A nós duas perguntaram se nos excitamos ao escrever uma cena erótica e, achando pouco, ao final da mesa, se nós nos masturbamos - separadamente, é o que compreendemos! Elementar, meu caro Watson, eu respondi, às gargalhadas. Sometimes, disse Sylvia, que, visivelmente, não gostou da pergunta.
7. Por que se escreve tanto sobre o erotismo, indagou, meio irritado, um internauta, sendo que eles mesmos cravejaram o debate de perguntas sobre o erotismo, algumas por demais repetidas. Vá entender!
8. Você fala inglês?, me perguntou, no bar, Ewan Morrison. Falo mal, mas compreendo, respondi. Adorei suas falas, ele disse. Mas que gracinha, pensei.
9. Duas mesas foram canceladas em virtude da intolerância de um grupo de 30 pessoas que se dizia a favor das cotas - assunto que sequer estava na pauta. Uma interrupção sem sentido, pois a Maria Hilda Baqueiro Paraíso estava, na verdade, dando um banho de história em Demétrio Magnoli, defesa melhor dos direitos indígenas e afrodescendentes não poderia haver. Mas quem disse que se deseja vencer pela argumentação em nosso paisinho? Houve gritos raivosos; dois estudantes nus se pintando de branco e vermelho e outro levantando uma cabeça de porco sangrenta no palco. A bem da verdade, uma performance digna de vômito, sem qualquer traço artístico. Aqui e ali, a plateia se manifestava querendo ouvir o debate, mas sem força suficiente pra fazer valer sua vontade. Todos queriam ouvir os palestrantes, mas a minoria venceu. Tentaram propostas, mas o grupo queria que o debatedor fosse embora e não houvesse a palestra de outro "racista", mais tarde. Queriam e conseguiram. Todas as outras pessoas que ali estavam tiverem de se dobrar ao desejo daqueles 30! E aquela Cachoeira guerreira?, pensei, onde ficou mesmo?
10. À noite, nas ruas, do garçom ao motorista, da dona de casa ao adolescente, do estudante ao professor, todos da cidade lamentavam e condenavam a manifestação. A maioria estava presente na hora, mas não fez nada pra impedir o abuso dos jovens. Do meu lado, João Filho dizia: foi assim que Hitler começou. Uma pacificidade bastante estranha, é verdade.
11. As cotas já são lei, independentemente de alguém ser a favor ou não. Eu, inclusive sou a favor, mas me tivessem dado uma baioneta nas mãos naquela hora, que, decerto, outras cabeças iriam sangrar no palco. Deus não me deu asa, é certo.
12. E você escreve mesmo tanto assim sobre o erotismo?, me indagou outro escritor, um dia depois da mesa "Entre flores e espartilhos". Escrevo porra nenhuma, uma coisa aqui e ali, mas inventaram isso, agora já era, rebati. Bem, o importante é inventar, não?, ele respondeu. Decerto, considerei. Gargalhadas gerais.
13. PEPETELA: depois que ele autografou meus exemplares, tomei sua mão num impulso e beijei. Ele ficou sem graça. Não deves fazer isso!, me disse. Mas se és um mestre, rebati. Em verdade, só costumo beijar a mão de João Filho, mas, neste caso, foi uma boa exceção.
14. Sempre achei que Joca Rainers Terron fosse um cara pedante, desses que se acham fodões, mas que só falam asneiras. Não é verdade! A fala dele foi uma das mais bacanas da FLICA. Fala superbem e de forma bastante lúcida. Por sinal, a plateia também achou isso, porque o aplaudiu euforicamente.
15. O retorno é mais light do que a ida: é noite e o carro desliza pelas estradas vazias.

8 comentários:

  1. Muito bom o texto Allex!!!deu vontade de estar lá...bjs saudosos!!!Cecéu

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  2. Concordo, ficou muito bom seu post, adorei! Obrigadaço pela presença! E sobre o ato incoerente, postei aqui: http://elmirdad.blogspot.com.br/2013/10/sobre-o-cancelamento-de-mesas-na-flica.html

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  3. Ótimas e lúcidas impressões...

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  4. Alex, da próxima vez dê um pulinho em Santo Amaro para bebermos uma Heineken e curtir The Smiths, talvez você perca um pouco dessa visão distorcida de janela de carro e entenda porque essa cidade é tão cantada e adorada por todos.

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  5. Por que você faz poema: olha, eu já dei vários pulinhos em Santo Amaro, minha impressão não é de janela, é de quem já andou e já pernoitou na cidade, assistiu a show de Caetano e Bethânia na praça, acompanhou a procissão católica com dona Canô... Uma coisa não tem nada a ver com a outra, acho a cidade feia e mal cuidada, assim como acho a minha cidade natal igualmente feia e mal cuidada. Isso nada tem a ver com beber uma Heineker lá e curtir The Smiths, convite que agradeço de coração e aceitarei na primeira oportunidade que houver!
    Em tempo: aproveito o comentário de Por que você faz poema pra registrar que recebi dois posts desaforadinhos porque falei mal da Paris de Maria Bethânia. Não adianta mandar esse tipo de comentário, eu irei apagá-los enquanto tome meu segundo café do dia. Não perca seu tempo! Aqui é meu espaço e falo do que eu quero, quando quero e com as palavras que me parecerem corretas. Cidades podem ser relativamente feias ou bonitas ou indiferentes para seus visitantes e isso não tem nada a ver com desrespeito ou difamação. No mais, procurem uma roupa pra lavar, as lojas de eletrodomésticos estão com excelentes promoções para se adquirir uma boa máquina de lavar! E usem Omo ou Ariel, são os melhores!

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  6. Santo Amaro não era feia, era muito mais linda que Cachoeira, o que nos deixou sem a beleza plástica de Cachoeira foi o poder da grana que destruiu nosso patrimônio colonial, Cachoeira ficou preservada e bonita justamente por não ter tido uma burguesia predadora como a Santo Amaro teve, em todo caso deixo um vídeo aqui com a Santo Amaro antiga: https://www.youtube.com/watch?v=EMK8jtTtI9w
    Ps- Estive na Flica durante a sua mesa, só fui por você, porque nunca ouvi falar da outra escritora que estava lá.

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  7. Anônimo7:22 PM

    Tem uma coisa em sto amaro q nao da pra explicar. Cachoeira eh uma noiva prendada mas sto amaro eh uma amante fogosa. Bjs.

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  8. Vi agora a polêmica no Face e nao acreditei.
    `Poxa Allex, ate voce?
    Santo Amaro é linda demais,
    mas é uma beleza que vc tem que buscar,
    nao da pra ver da janela do carro,
    é beleza de sentir,
    nao é beleza de olhar.

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