sábado, janeiro 21, 2012

De mar & amor, in: Margens das Letras, coletânea de contos de alunos de Letras, 1998.


[...]Parou na praia e escutou as ondas chamando-o como numa cantiga. Despiu-se e foi.
Entregou-se às avermelhações de cores que se metamorfoseavam dentro das pes-tanas cerradas pelo mergulho. Quando abriu os olhos, deixou-se ficar na claridade das estrelas e da lua, que penetrava o escuro das ondas.
Mesmo depois, quando já estava deitado na areia, de olhos fechados, sentindo o friozinho que dá no corpo molhado, tentando o impossível, que era seguir fluindo, sem pensar em nada, a claridade do céu ainda golpeava, quer com raios de luzes estrelares, quer com raios da lua, que naquela noite se fazia crescente e nítida.
Assim, tudo parecia mais perigoso. Como que ameaçando, caso ele voltasse a querer se enfiar inteiro nas suas ondas.
Ah, aquelas ondas se multiplicando num horizonte de penumbra. Elas ocultavam mundos escorregadios, pedidos de socorro, urros de alegria, e fantasmas também. Al-guns fantasmas penetravam junto com a claridade ou eram formados por ela. Desenho de bocas e corpos nus de meninos, de cera, de porcelana, de grafite, de brinquedo, mas, de repente, nesse exato minuto, ele abre os olhos e percebe: de carne viva também.
Ele teve medo e desejo de retornar ao mar. De perder os sentidos dentro dele, de nunca mais pisar na areia. Pois acima de tudo estava triste, tão triste se sentia que dava trabalho se movimentar. O mar, ele escutou intranquilo, o mar o chamava de volta, pra sempre, venha.
Não, ele disse, não quero morrer. Precisava se movimentar dentro das sensações esquisitas: vontade de vida e vontade de morte entrelaçando-se. E a vontade de amar também, a vontade louca de amar se estendendo, feito um polvo, cada braço dela cheio de dentes ramificando-se pelo corpo. Assim como sentia atração e repulsa pelo chamado do mar, tinha medo e desejo por aquele cara, pela loucura de gostar demais e não poder se desprender da imagem do outro, do cheiro do outro, do que viveram há tão pouco tempo juntos.
Foi regressando pra casa devagar. Olhos cansados, corpo úmido. O sal, diria aquela escritora, lavando em segredo a alma maltratada. A energia do sal marinho cum-prindo sua função na pele. Era preciso dar tempo pra energia lhe adentrar inteiro e renová-lo outra vez.
Mas, quando no quarto, tentou dormir em vão. A voz do outro vinha soberana: "há rios de águas tragicamente revoltas e fundos de intermináveis abismos. Rios que escondem a morte em cada trecho de seu enganoso percurso, bem mais assustadores que o mar".
Não importa, ele disse, vá embora, não quero mais saber de você.
A voz do outro como que levitava por dentro, carregado-o por ondas quentes que ora subiam ora desciam o corpo cansado no colchão. Novelos de funduras e fluências. Ia assim, solto num mar diferente, corpo esquecido, banhado de luz mínima, as primeiras luzes da manhã. As mãos, estendidas na cama, não estavam na cama, remavam, tocavam a água como se capazes de vencer qualquer correnteza. E nesse ir quase que inerte sobre a correnteza absorvia em todo o seu ser ventos e ares que por ali passavam, amadurecendo a noite, transfigurando o tempo. Sangue dilatado, meio sorriso nos lábios, e oxigênio entrando nas narinas. Vou esquecê-lo, pensava sem forças, vou esquecê-lo pra sempre. [...]

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