sábado, abril 03, 2010


Imagem by katia Almeida
Uma música que se altera. Dias há em que é somente um sopro entorpecendo; um voo, um esquecer as agulhinhas, muitas, tantas; um novo poder voar por uns segundos.
Noutros dias, a violência do farfalhar das cortinas bate contra os sentidos; cérebro e dentes rangendo; tremores e nascimentos; umas células desgrudando; pelos poros capilares, é possível sentir algumas delas morrerem, outras, substituindo-as em seguida.
Loucura. Apenas loucura.
O tecido das cortinas cinzentas.
Sim, somente isto.
Quando as cortinas se movimentam, é possível ir além. A carne escancara as portas. Ou antes, as portas é que são escancaradas pela corrente de zumbidos, chicote de vento nas cortinas, as cores feito sangue fluindo, e a vertigem que aumenta o poder de sentir, que desfaz o limite corpóreo, apaga o que restringiu o corpo, desde o princípio, a ser somente corpo.
Liberdade de voar junto ao tecido. Como a textura das mantas verdes ou azuis que cobrem os primeiros dias de vida. Os sons que são arrancados das dobras do tecido, que continuam a se estender, chicote e chocalho, minutos ruidosos que cessam repentinamente, depois recomeçam.
Uma música calada.
Horas virão em que tudo restará calmo, dobras lentas se abrindo feito leque. Param. A noite, a sopa, o café. O pão. As mãos de alguém se ocupando de outro alguém. A sagrada água com que se lava os resquícios do dia. Falas mínimas. Quase tudo está morto, querida. Os olhos vão sumindo. Madrugada. A música retornando: vai chover. Ninguém pra fechar a janela. Os pingos entrarão. [...]

quinta-feira, abril 01, 2010



Estouravam cliques na cabeça enquanto dormia. Não sabia se cinema ou fotografia. Acorda variado, buscando qualquer instrumento de conexão com a vida concreta, ali, na frente, à espera. Sair do sonho é um banho lento de luz abocanhando o quarto. Longo tempo em que não se reconhece aquele outro ser esparramado, diluído. Até achar os fios. Não precisa ser inteiramente tecido. Um fio ao acaso serve. Basta que se conecte de novo. Provisória e aleatoriamente. Por exemplo, hoje, às 2:40, foi o rádio-relógio de números verdes brilhando no escuro. Amanhã pode ser a presença invisível do mar que habita esta cidade. Ou o barulho da rua. Quiçá, o corpo do outro descoberto, respirando, tão perto.

Em Não se vai sozinho ao paraíso, primeiro romance que integra a trilogia místico-erótica de Állex Leilla — cujo centro são as micro-...