sábado, agosto 21, 2010


[...] Não lhe digo nada. Não atendo sua ligação. O zumbido se junta a milhares de chamados perdidos na capital. A essa hora, tão cedo, ela pensa: ele deve ter saído com alguém. Depois, me lê em silêncio. Ouve alguma música que eu lhe mandei. Ela está no tapete da sala, deitada. Eu, na escuridão, sem nuvens, sem estrelas, só imensidade de luzes e mormaço, vejo-a.
Penso em salvá-la de alguma forma, indo a seu encontro. A solidão dela é um círculo de fogo, mesmo que eu queira, jamais conseguirei ultrapassá-lo. Sinto apenas. As ardências. Ela diz que dói. Ela costuma dizer, às vezes, sozinha, pra casa, pro bairro velho onde mora, pro mar, pra ninguém, que dói. E nesse instante ela nem sequer chora.
Dói.
Pesado. Mais pesado que essa maldita história que nos consome. Dói, ela diz. Sozinha. Sem lágrimas, sem mão comprimindo o peito.
Todavia, não, não acabará assim. É a minha vez de buscá-la pelo telefone, ligar feito um louco pra sua casa, pro celular, mesmo sabendo que ela desligou o telefone logo que me chamou e eu não atendi. Talvez até tenha saído.Talvez procure velhos amantes que a tratem melhor do que eu. Vai a lugar nenhum. Dirigindo em alta velocidade pelos bairros da velha cidade, pra lugar nenhum ela vai, penso, vendo a linha sem fim de seu para-brisa avançando por Ondina, Rio Vermelho, Amaralina, Pituba, Costa Azul, Boca do Rio... Oh, não. Pare um instante e atenda, por favor... Ouvindo Bob Dylan? Stones? Morrissey? Pelo Corsário, Jaguaribe, Patamares, Piatã... saindo fora do alcance dos meus olhos.
Dias vão passar, eu sei. Vou dormir um pouco e voltar a pôr minha cabeça pra funcionar.
Meu coração às vezes é mais triste que o dela. Quando ela chega bem pertinho de mim e dá de ser mulher até não poder mais, me encarando, passeando com a mão no meu peito, encostando a testa no meu peito, de leve, como se me espreitasse através da camisa. Sinceramente: não sei nem o que pensar. De repente, ela diz: por que o tempo esfriou assim? Eu não trouxe nenhuma roupa de frio... E eu, que deveria abraçá-la forte, dizer que tenho dezenas de camisas, casacos de frio no guarda-roupa, que ela pode pegar o que quiser, que no meio do ano é assim mesmo, de repente chove, de repente esfria, eu, em verdade, nada falo, nada sei. Apenas fico. Dentro do calafrio que é vê-la tão mulher, aninhada no meu peito, como só elas, as mulheres, conseguem ficar: mudas, congeladas, grudadas, como se fossem um apêndice. Mas não, sei, sabemos, que não são.

Um comentário:

  1. Se eu fosse dado a palavras elogiosas, diria as qualidades poéticas, estéticas e etc. do seu texto. Mas não gosto de elogios e nem entendo de arte. Entendo de sentir. Só.
    Abraço

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