quarta-feira, abril 16, 2008

[...] O dia está indo embora. Lembro que é aniversário de Samuel, um amigo de infância a quem não vejo há séculos. No escuro da sala, brindo com um resto de vinho esquecido por Breno na cozinha. Parabéns, parabéns, Samuel. Onde quer que você esteja: um punhado de estrelas e a eterna magia do verbo existir.
Bacana isso. De quem será?
Ele me ensinou a nadar. Merecia um bom vinho.
Uma fisgada na coxa.
Ouço cachorros ao longe.
Apago todas as luzes.
Quietinho na sala. Coleciono coisas tolas, pensamentos inúteis pra passar o tempo, assim:
1. Breno tem o sexo um tanto azulado... (Absurdo, ninguém o tem);
2. Breno beija como quem põe na língua do outro pedacinhos de folhas mortas de goiabeira... (De onde tirei esta estupidez?);
3. Estar com ele é perceber que de repente tudo em volta já era, já passou. (Isso é meio verdade, meio invenção);
4. O amor recomeça quando se acorda com substâncias alheias beirando o nariz. (Realmente? E que sentido tem?).
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Penso nisto todo o tempo: ele saiu, sumiu, não está. Com fome, de olhos mortos na claridade que vem, devagarinho, superando a escuridão.
As casas fechadas lá fora, sem frestas de sol. Os casacos nos corpos, esquentando o úmido, o gelo, o castigo do ar.
Penso, penso, penso. Errando a narina, rompendo nervos, gritando puta que pariu pro sangue que teima em sair.
E não sai muito, sai em gotas, qualquer mínimo de sangue me espanta, porque não quero, não posso perdê-lo, sempre acho que posso estar com AIDS e não saber.
E Breno, que dirá?
Somos tão gêmeos, ele pensa como eu, eu sei, eu sei, espere... Em que eu estava pensando?
Não, não somos gêmeos, somos diferentes pra cacete.
Penso, penso, penso.
Estranho a língua usada lá fora tanto pro amor quanto pras conversas banais. Pros livros, pras revistas, pro jornal que sempre informa as condições do tempo e do trânsito e nada sobre o Brasil.
Estranho a língua que se entende e se fala e eu já até domino, mas odeio, de repente odeio todas as línguas que não sejam o bom e velho português. Sometimes, até ele/ela. Sim, sim.
Adoro esta palavra: sometimes, oh, meu Deus, que eternidade!, bem que podia ser uma palavra latina. Por que não? Sometimes, eu sou gente, sometimes, um poço de inutilidades cristãs, sometimes: a primavera, sometimes: a dor maldita dor.
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Não tem a menor importância, vive-se de migalhas, quem se importa?
Eu sou metal, raio-relâmpago-e-trovão. O que é isso? Ah, é a Legião.
Miséria, as pessoas me exasperam com essa mania de formularem antes o que só a mim caberia conceber. [...]
In: Breno & Ariano

3 comentários:

  1. Anônimo5:19 PM

    Será que o termo AIDS não ficaria melhor se ficasse incógnito? É apenas uma sugestão.

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  2. Anônimo12:42 AM

    "e na concha vazia do amor a procura medrosa,
    paciente, de mais e mais amor."

    palavras inspiradoras e arrebatadoras. como você!

    beijos,

    dani,

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  3. Maravilhoso texto, como sempre. Grande abraço.

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