quinta-feira, maio 31, 2007

Por que a infância deles enche nossa vida de sonhos


Sonhos da menina
A flor com que a menina sonha
está no sonho?
ou na fronha?
Sonho:
risonho.

O vento sozinho
no seu carrinho.
De que tamanho
seria o rebanho?

A vizinha
apanha
a sombrinha
de teia de aranha . . .
Na lua há um ninho
de passarinho.
A lua com que a menina sonha
é o linho do sonho
ou a lua da fronha?
(Cecília Meireles)

segunda-feira, maio 28, 2007

[...] O mundo não é azul celeste nem marinho, ouvi minha mãe dizer assim que pus a cabeça no travesseiro, tentando dormir, o mundo não é turquesa nem royal, o mundo não é azul transparente nem sombrio, o mundo é cor de sangue, sangue esmaltado, denso, sangue compacto que não muda de tom. Seria como o meu sangue, pensei, sonolento, sem querer me dar qualquer atenção, uma parte da cabeça ainda acesa pelo barulho da rua, outra parte acesa pelo som da voz dela, de minha mãe, que continuava a caracterizar mais o vermelho do sangue, como se fosse possível, seria oriunda do meu sangue a cor do mundo? Vermelho sem variações, encorpado, vazio de qualquer suavidade, vermelho que vai pingando gota a gota, como tinta espessa numa janela de vidro, capturando todas as coisas do apartamento e encobrindo-as: meu guarda-chuva preto, a poltrona onde me sento e leio, a lâmpada apagada dentro do lustre, o armário com roupas, meus sapatos debaixo da cama, os livros, a estante, os blocos coloridos, canetas de formas infinitas, o aparelho de som, a mala vazia em cima do armário, a reprodução barata de Van Gogh na parede, minha agenda aberta, as contas da próxima semana, o baú cheio de cartas, meus cds, os vinis. Vermelho-mais-claro-pouquíssima-coisa-que-o-tinto, denso, denso, espesso, espesso não é o mesmo que denso, minha mãe? Procurar no dicionário depois. Repetição inútil, eu conheço a cor do sangue, minha flor da primavera, já entendi, nem a pau me levantaria neste instante pra conferir adjetivos, o sangue está encobrindo também o dicionário, não o vejo, comprei uma nova edição atualizada e não sei o que fazer com a velha, vender? Doar? Il mondo non é blú, mio figlio, diz grave, como uma grande matrona italiana. Vermelho mais forte que o córdoba... Ei, tem isso de uma cor se chamar córdoba?
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Nosso ódio tamanho servirá para alguma coisa? A gente já sofre tanto, ela diz, um bom espaço é o mínimo que podemos ter. Ela está muito feliz por ter achado seu apartamento 2/4-sala-com-dependência em Nazaré. Ainda não é inverno, mas o sol sumiu, dois dias de céu estranho, pouco sol, nenhuma chuva, apenas vento úmido e plantas amarelando lá fora. De certo que as rugas são o que menos nos atrai nas pessoas, porém, segundo minha mãe, as plantas não envelhecem, ao contrário, quando amarelam, estão a nos dizer que vai haver renovação. Isso é certo. Tão certo como deitar no chão da sala e ouvir aquelas nossas músicas preferidas. Que sempre dizem: não se desespere, respire fundo, mantenha a coluna ereta. Confiro no relógio: 22: 40. Ela acende incenso de orquídea e fala muito sobre a importância de a gente ser feliz. A minha menina de meias com símbolos de signos. A minha menina de cabelos negros, longos. Sou bicho do mato, maaaaaaaaaaaaaaaassss... Se você quiser alguém pra ser só seu. Hoje, apenas hoje. É o que posso ofertar. Vinho tinto, depois café. Passaram um especial sobre a Legião Urbana na TV. Comemoramos, quase crianças de tão felizes. As taças erguidas. À nossa Legião. Que já acabou. Absolutamente tudo que eu amo periga acabar assim, tragicamente, como minha banda preferida. Meu tempo é uma piada sem dono. A metade dele ainda tá no escuro. Nosso ódio tem que servir pra alguma coisa, ela repete, enquanto os cachorros latem e o sono não vem. Dia especial, dia perdido na precariedade da vida. Solidão de cacos partidos. Mesmo que você tente, compartilhe, improvise: não há jeito de expulsá-la. Solidão, solidão, ninguém pode contigo. É foda. Mas tudo bem, tudo bem, tudo bem. Não darei bola, sou um cara prático, detesto tragédias. Agarro-a, ergo seu corpo. Ela fica na ponta dos pés pra me abraçar. Correspondência exata. Nunca mais terei de volta minha língua de tanto que preciso percorrê-la. Assim. Cada espaço de pele queimada de sol. Marcas, manchas. Um cheiro tão-cheiro-de-menina invade os fios da mente, do nariz. As roupas (minhas, dela) pelo chão da casa. Felicidade de cabelos longos. Felicidade de cintura miúda. Felicidade: eu amo seus quadris. Vem comigo que o mundo é grande, tão imenso que dói de ver. Nos perderemos nele. Sim. Não. Vou contigo até onde as forças se bastam: poro com poro, pêlo com pêlo. Dentro. Os contrários se encaixam. Tudo é intenso, suficiente, perfeito. Agora, assim. Teus cabelos, tuas dobras. Não me escape, te puxo mais & mais. Uma menininha. Uma cigarra. Uma flor. Tenho medo que entrem, de repente, pela janela, gritando, me acusando de ter feito coisas ruins por aí. Atirando, com cavalos, bombas, metralhadoras, cães. Vão entrar pelo teto e te levar de mim. Não escorregue, caralho, vamos furar o piso do quarto, melhor você ficar de frente, será que é um crime, será que vão me prender depois?, quero abocanhar seus seios, os dois, ao mesmo tempo, não, não é um crime, te morder, ficar dentro de ti, pra sempre, Jesus-Cristo, assim-sim-yeah, não quero que acabe mais nunca, por que você está gemendo tão alto?, esta cara é de prazer ou de dor?, meu-pai-do-céu, eu-não-agüento, quem ensinou esta menina a mexer deste jeito?, puta-que-pariu. [...]

sábado, maio 12, 2007

segunda-feira, maio 07, 2007

Os antigos têm razão quando dizem da importância de se acordar cedo, não há nada melhor no mundo para acender o cérebro da gente do que a luz crua da manhã.
Está um tempo chuvoso, e ela já acumulava milhares de imagens e frases soltas que são, em verdade, o seu passaporte pra um mundo interior.
O que haveria de ser pintado, dito?
Contar os passos na rua dos Escravos, entre as pedras irregulares, os acertos e topadas dos pés dentro dos sapatos.
Pensou então inteira dentro dele: um amor claro, mas não tão límpido que não pudesse conter as salamandras.
Era isso o que lhe prometera?
Não sabia.
Recordar, por vezes, é se atirar em quartos escuros.

Em Não se vai sozinho ao paraíso, primeiro romance que integra a trilogia místico-erótica de Állex Leilla — cujo centro são as micro-...