quarta-feira, abril 11, 2007

O fim do mundo (trechos)

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Você disse que toda a nossa saudade será em tons azuis, agora, 12:40 da manhã, o filme abre o primeiro flashback que minha mente não consegue evitar: estou naquela passagem azul quando você cortou meus cabelos. Lembra? O céu é de nuvens breves e traz as borboletas de setembro. Você encosta os lábios em meu pescoço - eu dizendo que devia estar cheio de fios do cabelo aparado, você negando -, brinca de me morder forte, beija várias vezes minha nuca, encosta o nariz, e fica esperando o resultado. Eu estremecendo, endurecendo pra você.
Memória interditada. Mais do que no cinema. Segundo café do dia. Você está na minha camisa. Acho graça. O delírio me fez avançar um pouco pro início de tudo. Eu tomando café expresso com sanduíche de tomates secos, Sexta-feira treze, praça da alimentação do Aeroclube. Você vem e pede suco de lima. Olhares cruzados. Os meus observaram o teu cabelo liso solto, voando, o violão dentro da capa escura pendurado em tuas costas, a largura dos teus ombros na camiseta preta, a tua boca carnuda, as tuas mãos grossas, o volume do teu pau. Os teus observaram, eu soube depois, o volume do meu pau, o brinco prateado na minha orelha esquerda, o meu sorriso. Comentários irrelevantes sobre a paisagem, o atendimento e a fauna do Aeroclube. O que salva é a visão maravilhosa do mar pra quem freqüentava com a luz do dia, você disse. Raramente venho aqui, eu respondi. Ia ver a primeira sessão de Fogo contra fogo, com Robert de Niro e Al Pacino, meu ator preferido. Vergonha miúda de te conhecer ali: lugar tão medíocre. O que era mesmo que você ia assistir? Nada, você disse, vim visitar a loja de um amigo.
Depois é você no meu carro, eu dirigindo. É você pondo a mão na minha coxa, eu retribuindo. O pára-brisa cheio de chuviscos. Chovia e parava. Parava e chovia. As invenções do tempo, como esquecer? Brincamos de desenhar na calçada do meu prédio um arco-íris. Troncho e com tão poucas cores, só o vermelho, o amarelo e o verde dos lápis de cera que você levava consigo. Nosso mais perfeito arco-íris que a chuva, cúmplice, apagou.
Me pego pensando em morar contigo. FF brusco, parando em cenas de 10, 11 meses depois. Primeiro de tudo, viriam as coisas certas pra cabeça: você me amava mesmo? E eu te amava? Depois, as mais ou menos bestas: dividir o mesmo prato, travesseiro, toalha de banho, pasta de dentes. Amanhecer em nós. Fazer café juntos. Entre outras, entre tantas. E as coisas do espírito: você no meu silêncio. Você respirando comigo. Eu em você. E as coisas do corpo. E as coisas da vida. Assim, por dois anos. Eu quis ter você na minha rotina. Sentindo, no entanto, a ameaça do agora. Que você vai pro Oriente. O martelo da despedida. Você quer voltar pra casa e sua casa é o mundo. A minha é um templo oco que a mente faz e refaz. Realidade-de-ponta-de-agulha. Mesmo sabendo que melhores horas chegarão, quero chorar e vem a secura. Os brios de equilibrista. Vou me ancorar. Sabe-se lá como. Sabe-se lá o que vim fazer aqui. Um dia quebrar os meios, um dia esquecer as ligações. Então aquela casa ficará perdida. Abandonada no encanto das brumas. Eu não precisarei dela. Ela nunca mais será minha.
As flores de sábado. As flores de sábado que seu Sílvio trouxe enfeitam mesa por mesa do café-bar. O desmaio morno do sol nos jarros que mantêm por hoje a vida delas. Que mais poderei nomear neste canto que é puro você? Terceiro café do dia: Bruce Springsteen reacende o mundo ao meu redor: My lover man. Bruce Springsteen arrasta o dia: Sad eyes. Bruce Springsteen leva o dia embora: Wages of sin.
Estou farto. Pedra voltarei, ou água. Pingo de chuva mortalmente findo. Este é o nosso fim. No vidro empoeirado de alguma galeria. Estaremos congelados e mortos. No vidro. Tentei ser invencível, mas agora fecho os olhos: desisto. Vou.
[...]

3 comentários:

  1. Taí, Állex, nota 10 para o novo visual do blog.

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  2. Anônimo7:17 PM

    Show é seu novo site, meu amor. Como conseguiu isso? Um beijo, te amo.

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  3. Anônimo5:00 PM

    linda e transbordante, você. vasculhando em seu blog, nas entrelinhas, vejo as pistas que vão me levar a um lugar seu que, eu sei, é apenas um lugar dentre tantos, e talvez não seja o mais verdadeiro, talvez seja o mais inventado de todos, mas é seu.
    tem alguma coisa em você que me chama e me anima. ainda descubro o que é.
    me impressiona sobretudo a tua fala sombria ser possível numa cidade tão quente e barulhenta. e como tudo isso se parece comigo: morrissey, ana c., caio f.
    fico por aqui, invadindo sem dar a cara pra bater. um dia eu volto.
    beijos,

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