terça-feira, janeiro 16, 2007

Por que nunca mudam a história: você é/não é feliz?
Não, ele não quer o encontro, a possibilidade. Ele é todo neutro. O vazio sem azul, o vazio sem qualquer vestígio de mar.
Felicidade, deixe-o em paz.
A tempestade atravessada não se sabe quantas vezes.
Não importa.
As bacias d’água na chuva fazem pin-ploc, pinnnn-plooooc.
Ele ignora. Ele é todo outono.
Feche os olhos comigo e veja-o pleno.
1, 2, 3, 4, 5, 6... Ele está de perfil, olhos obscurecidos por uma sombra tênue que não deixa serem percebidas a íris azul-profundo, a pupila, o branco cortado por fios vermelhos, os cílios irônicos que, não se sabe exatamente por qual razão, parecem estar sempre abrindo de maneira um tanto lânguida, um tanto desafiadora – com predomínio da segunda.
Nas fotos do inverno, ele só aparece até a cintura. Agarrado num poste, olhos fechados, como que fincado no meio da rua, que, recortada neste ângulo, é mais largo ou praça. A cabeça encostada no poste, as mãos como que se segurando, camisa branca de mangas compridas aberta o suficiente no peito pra deixar ver outra, uma camiseta escura por dentro.
Tanto faz se a foto é preta e branca, ele fecha os olhos ou os fixa no chão da praça, ou rua ou largo.
Só se pode ver duas casas européias, uma escura, outra clara, no fundo de onde a imagem dele está congelada, cercadas por portões de ferro.
Ele não vende sua cidade nem a ostenta aos olhos curiosos de ninguém.
Como qualquer habitante desse continente decadente, ele detém a abertura de sua cidade com o porte impenetrável de quem nunca, apesar de mostrá-lo com orgulho, convida alguém a visitar seu país.
Quero perguntá-lo por que não há primavera nem um verão verdadeiro, só outono e inverno e minguados raios de sol no continente dele, chego perto e esqueço a estrutura que comanda a sua língua, como é que se iniciam as perguntas em sua língua, dear?
Não fosse a delicadeza do amor que nem mais encanta mas quer guardar um resto de elo dentro de nós, eu rasgaria essa imagem, cuspiria em cima, chutá-la-ia em direção ao terreno baldio que vejo lá embaixo.
Quero pronunciar alto o seu nome, na minha língua mesmo, quem sabe com erro, quem sabe com acerto, quero relembrar/descobrir seu nome e dizê-lo milhares de vezes outra vez, como quem encerra na língua uma paixão antiga, a maior.
O caminhão de lixo vai chegando na imediações do bairro primitivo – como também o é boa parte da estrutura da cidade – fazendo um barulho inacreditável, contínuo, como num ataque áereo que nunca passa de todo.
Cidades centrais são assim.
É preciso dormir de qualquer jeito. Ou abandoná-las por outras menores – nas serras frias e verdes e vastas de Minas ou nos recantos abertos, cheios de curvas e areia fina, do litoral?
Ele pegou uma garrafinha transparente e pôs barquinhos de madeira por dentro.
As velas deles foram feitas de búzios e barbante.
Não vou conseguir sobreviver – ameaçam minhas retinas.
É desnecessário repetir seu nome. Eu o recomponho sem pressa. Os torpores todos antigos. Nunca mais ser-me-á permitido amar assim o inacessível.
Que ele me fuja assim. Que ele me fuja inteiro, pois.

Um comentário:

  1. Gosto muito do seus textos.São maravilhosos e densos. Poderia publicar algum deles no meu Blog? Abraços.

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