quinta-feira, janeiro 05, 2006











Soteropolitano

Nunca se dividiu tantos nomes assim, nunca se embaralhou tanto, nunca do tanto fez-se toda compreensão. Das escolas foram guardados uns objetos (com eles as descobertas, com elas as repulsas). Dos sorrisos, algumas rugas, quem sabe também poucas mágoas.
Por isso está feia a inquietação. Está em quarto-crescente, como que encobrindo de gelo umas idéias mais nobres.
Quem sabe se das páginas que você imprime, os dias passem a sair menos turvos e, feito sinais, venham colorir também os postes, envolvendo o que quer de olhos, o que quer de atenção, dentro desta cidade lânguida.
Esta cidade é uma prostituta, os sexos todos ela distorce e ostenta. Eu quase que sinto o teu arriscar de homem distante pelas ruas dela, quase posso pensar no que te beira e se oferece.
Como a luz dos postes, nem sempre só nem sempre viva, cerco e clareio uns dias meus nos quais você figurava de um lado pro outro, com voz, pele e lentes de vidro confuso de homem distante. Fica tudo disforme sobre os muros feios que contêm Salvador. Uma americazinha fervendo, você talvez dissesse, uma esfregação de valores que caem e se enfrentam díspares... O que sua cidade descobriria hoje sob as poucas nuvens do mesmo céu? Uma América erotizada, em tempos de puberdade? Quais seria as tuas novas idéias acerca disso?
Não sei. Uma América leprosa, quem sabe, diante de pudores e medos que vão cada vez mais se eternizando.
Há de se admirar como os nomes são embaralhados nas bocas, como não se delineia de todo mas ainda assim persiste sobre as cabeças o traço contínuo das divisões: aqui, meu mundo; lá, o teu; ali, o deles; pra lá, o delas...
Liberdade deve ser o que te acolhe agora, em braços e lugares que desconheço, em números e nomes que não me guiam, em redes e sonhos que não freqüento - o conjunto de sombras de outra Salvador, a tua, que nunca vai me conter.
Eu poderia enveredar de repente por novos cartões-postais. Salvador fica prenhe deles quando março se aproxima.
Sei que também pensas agora, em algum canto da cidade só tua, nas imagens que a semana trouxe e que, na seguinte, vão sendo levadas... Imagens disformes de caras e diálogos que fazem parte do ontem e já nos vêm adulteradas, pedindo à poeira da mente passagem... Passagem pro armário? Quem sabe, quem sabe... Não posso evitar de dizer pra mim mesma: todo final de fevereiro é assim. E rasgo nomes e números esvaziados de sentido da agenda, repetindo em seguida alguma frase que ficou, sabe-se lá de quem, onde, quando, porquê, eu disse e você rindo concordou, ou você disse e eu ri e concordei, ou alguém disse e nós rimos em acordo, que acreditar na palavra é acreditar também numa espécie de explosão não-controlada, embora prevista. Mas explosão mesmo de quê? Eu me pergunto agora: desmemoriada, no escuro. Algo que por certo não tem grande sentido e você, com certeza, já não se lembra mais.

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