domingo, novembro 20, 2005

Urbanos, 1997.


Amarelo-de-casca-de-fruta

Lutava com o vento e era de lenhar! Mesmo o amor que tinha no peito, mesmo o cão que se afastava achando estranha a sua luta, mesmo o sol que já lhe tomava os poros, nada, nada importava. Foco voltado pro piso, os olhos do rapaz só enxergavam a sujeira que com sua paciência brincava. Voava longe da vassoura. Voltava pro mesmo lugar. Corria maravilhosa pra debaixo dos móveis. Uma desgraça, uma desgraça.

O amigo veio e disse:
- Feche as janelas, meu bem...

Fecharam.

Foi o vento por hora vencido.

Mas, devagarinho, forçava os cantos da janela, da porta da rua, da fechadura. Cuspia à noite toda. Eles não viam. Corpos descobertos, os dois haviam de se entreter em suores e, depois do banho, em sonhos.

De manhã, ciscos pela casa.

A nova guerra conta com a fumaça de um incêndio num próximo terreno baldio. Fumaça que traz ruínas de papeizinhos aqui, ruínas de papeizinhos ali. Vão se aderindo ao piso, também ao tapete, também ao sofá. Alados pontos negros na atmosfera. Irritam os nervos. Irritam o nariz.

O mais novo dos rapazes volta a expulsá-los. Ou pelo menos, tenta.

Repetições, repetições.

Viver não é muito fora do quarto e da noite.



LEILA, Alessandra. Urbanos. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado/COPENE, 1997. 123p.

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Este é o quarto conto do livro, página 20. Escrito no Largo Dois de Julho, na janela do apartamento de um ex-amor (hello, Olivinho, where you are?), enquanto os lixeiros recolhiam o lixo da cidade, às 02 da manhã. Antes da reforma do Largo, é claro.

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