domingo, novembro 20, 2005

Mais Urbanos



Gelo

A descida da contorno ia ficando longe.

Ela possuía um agasalho e um guarda-chuva. Floral. Mas se diz mesmo é "sombrinha", isto é, a proteção das mulheres contra o tempo molhado.

Os prédios pequenos e as casas velhas, em fila, coladinhos. Ali, um prédio de oito andares todo todo amarelinho. Claro.

Ia ficando cada vez mais longe.

Ela tinha apenas duas pernas, nem grossas nem finas. Brancas. Como todo o resto.

No asfalto, carros quase nenhum.

Avistava o mar lá embaixo com tontura, porque andara muito. E a Contorno lhe fugia.

"Pamõõõõõõõõõõõõõõõnha", ouviu o vendedor na outra rua, "pamonha de milho, quentinha..." Parou pra um trago. Difícil acender qualquer fumo debaixo da chuva. O vento veio querendo lhe arrancar a sombrinha. Ergueu a proteção de tecido toda pra cima, e os ferrinhos se destacaram como esqueleto.

Ela riu: esqueleto de guarda-chuva!

Mas não, mulher diz mesmo é "sombrinha".

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Tenho que dedicar, mesmo depois de publicado, para Alex Simões, o poeta que gosta tanto deste... conto? Miniconto? Fragmento? Flash? Impressão?

Um comentário:

  1. bem, mais de 5 anos depois, eu venho agradecer a dedicatória. Relendo, gosto ainda mais e revivo a sensação boa de quando li "Urbanos", que me fez escrever uma carta cheias de bobagens de leitor deslumbrado que continuo sendo. Respondendo à sua pergunta, acho que esse texto é um poema em prosa (o que não invalida todos os outros gêneros citados), e talvez por isso eu goste tanto dele.

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