segunda-feira, novembro 21, 2005

Infância: Ana Cristina Cesar


Estamos de volta aos
dias moribundos de ca-
lor e outono
onde as folhas gordas
viram e suspiram no si-
lêncio amarelado
onde vimos pela pri-
meira vez o brilho novo
do céu

estamos de volta
atrás de nós as ondas
da memória cercam nos-
sos gestos
o nascimento da tarde
é maior que as limita-
ções sem tempo

estamos de volta e pe-
quenos e sozinhos,
olhos, dores e sonhos
abertos diante do dia

estamos de volta ao mes-
mo lugar enorme e irre-
sistível/ às sombras mo-
ribundas de calor e
outono

Ana Cristina César: Infância

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Essa coisa linda aí em cima é minha afilhada, Hanna Clara. Quando estamos envelhecendo, a infância, nossa, dos outros, tomam o centro, seja como forma de fugir ao presente, seja como arma pra segurar o que não nos pertence mais. Só as narrativas do que fomos cristalizam a infância. E dão uma vaga certeza de que hoje somos a mesma pessoa de cabelos soltos, pés descalços, gritando de alegria, na porta da casa, pelo pai que chega do trabalho. Não somos os mesmos nunca. A pessoa que abriu este arquivo e começou a escrever já não é a que, neste instante, esconde um riso de escárnio pelo tema dejà vü. O tempo passa rápido, quando não sofremos . Mas "o tempo é um trem que custa a passar" quando algo nos agulha a carne. Todo aniversário meu acho um absurdo que me dêem parabéns: se estou envelhecendo, estou é perdendo, não ganhando, então, o que comemorar? Porém, agora, no meu aniversário, só consigo me lembrar que Hanna Clara queria cantar parabéns pra mim na casa dela, em Belo Horizonte, antes de cortarmos o bolo de chocolate com morangos que a mãe dela preparou. Eu detesto que cantem parabéns, é muito chata aquela música, meu Deus. Como explicar a uma criança que detestamos algo? Os afilhados, como o próprio nome diz, são filhos agregados, do coração, não do sangue. Hanna Clara é a filha que não tive. E Ana Cristina Cesar é a poeta que não posso ser.
Como diria o Renato Russo: FORÇA SEMPRE.

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