segunda-feira, novembro 28, 2005

Henrique, romance, Salvador: Ed. Domínio Públicco, 2001, 215p.

Seu olhar, seu movimento.
Simulacros pela casa.
Cama, pasta de dentes, toalhas úmidas.
O gel pós-barba dele é a base de extrato de ginseng, está escrito que revigora as fibras elásticas da pele, que protege o rosto contra a poluição.
Está em quase toda a casa, principalmente nos colarinhos das minhas camisas, a fragrância de ervas suaves, de mato tocado por longas chuvas. Nas camisas sem colarinho também está.
Em tudo em que ele encosta o rosto.
O cheiro dele.
Só o meu cigarro dissipa.
Não queria que dissipasse.
Ele desenha uma borboleta com as cinzas dos meus cigarros.
Desenha na mesa onde tomamos café.
No vidro da mesa. Afastando a toalha de flores brancas e marrons.
Bate as pálpebras quando diz que as borboletas, Rique, sempre me lembram você.
Muito obrigado, eu digo.
Assim acabo acreditando em provas de amor.
Pondo uma música. Convidando você pra dançar.
Em meu ouvido ele repetia que a neve começara a cair, não pararia nunca de cair. Que neve?
Era a letra da música.
Eu não sabia uma vírgula de francês e estava mais vulnerável que ele.
O peso dos corpos forçando a sala a girar.
De repente, suavizou-se.
Tudo. Tudo.
Pensei que jamais seria tão perfeito assim.

[...]
Toquei de leve em suas pernas, subindo a mão pelas coxas até onde “deixassem” eu ir...
– ‘Cê não vai dizer depois que tem medo? – ele sussurrou se aproximando mais.
E mesmo que eu dissesse, o desejo tomava-nos o quarto e a razão, tão forte que calava o tal medo – se é que queremos admitir sua existência. Ainda assim, eu não sabia muito sobre quais atitudes tomar, creio que ele também não, pois ensaiávamos um ato e parávamos na metade.
– O que vamos fazer agora, Vic?
– O que você quer fazer?
Tudo que eu tencionava como iniciativa, ele armava antes, mais ágil. Por que éramos homens? – hoje eu me pergunto qual era o problema – ou por que não nos sabíamos homens?
Ele apertou minha cabeça contra o peito:
– Não vamos começar pelo mais difícil, Rique...
Difícil era ver as mãos trêmulas e não se inquietar. Eu, acima de tudo, me aborrecia. Queria fazer um monte de coisas nele e podiam não ser coisas permitidas. Eu tinha coragem para arriscar fazê-las e esperar as reações? Não, não tinha. Perguntar também não era verbo de se lançar mão naquela hora...
Mordi-lhe o mamilo direito até que ele, não suportando mais, arrancou de vez o meu rosto de seu peito. Eu estava machucando-o.
Por que ele não cede? Eu pensava, enquanto as imagens de um filme erótico que vimos juntos me atordoavam. Cada vez que eu o apalpava, ele endurecia o corpo como se estivesse pronto a me enfrentar.
Campo minado.
Subi em cima dele, apertei-lhe nos ombros. Enfiei a língua em seu ouvido.
Nada.
Deitei outra vez do seu lado.
Meu pai bateu na porta. Pelos passos eu sabia que era meu pai.
Não me mexi.
Esfriava muito. Cobri o rosto com o lençol. Me sentia extremamente ridículo. Tive pena de mim e dele.
Eu o vi se levantar, fechar a janela, apagar a luz.
Compreendi que recomeçaríamos tudo de novo. É uma tortura – murmurei fechando os olhos, enquanto o Vic puxava o lençol da minha cara e tomava minha boca na sua com violência. Resisti ao beijo. Empurrei-o, avisando que ele me machucava.
– Me perdoe. – ele disse. – Não faço por mal...
E eu, por não esperar tal frase, me perdi todo na hora de dar prosseguimento aos abraços e carícias que deviam acontecer de mim pra ele, dele pra mim.
Tão desconexos quanto os meus movimentos, foram os pensamentos que tive. Vi um morcego bailando no quarto e ri nervoso: “Batman”. Sei que ele entendeu “bata-me”, pois sua pressão no meu membro afrouxou e eu senti a voz quente me perguntar por quê. Por nada, disse-lhe, é que estou muito tenso, e quase me esmaguei no abraço que então trocamos.
– Mas você não quer apanhar, né?
– Não, não quero.
– Não fica tenso assim, não...
– Tá...
– Nossa amizade é muito mais importante...
– Hã-hã...
– Porra, eu morro de tesão por ti, cara!
– Eu também, Vic...
Quebrávamos nosso próprio ritmo com palavras.
Vagas idéias sobre o cabível: mão na nuca, ele tirava. Me imobilizava a cintura, eu desatava. As pernas disputavam, às tesouradas, quem era o encaixe, quem era o encaixado. Venci sua força por uns instantes jogando-o por baixo. Mas não, não queria que fosse assim. A estranha relação dos nossos corpos com o momento da entrega nos pontuava de ponto e vírgulas, eu diria que estávamos entremeados de reticências.
A verdade é que me cansava, rememorando as tentativas de amor que resultaram num silêncio pesado de disputa. Ora, disputar mesmo o quê? Articulei a escolha pelo não-movimento, a não-resposta aos gestos dele. Podia?
Não. Eu tinha muito sangue irrigando a região de baixo. Tanto que me atrapalhava com as roupas, com o zíper que, pra marcar outro clichê em nossa história, achou de emperrar.
– Boceta! – xinguei.
O Vic gargalhou enquanto enfiava a mão por trás de mim, quase me levantando. Disse pra eu ficar relax porque tínhamos a noite toda. Qualquer coisa, depois a gente ligava pros pais dele e dava uma desculpa. Que ele não teve como voltar etc. O tempo estava mesmo fechando...
– Vai chover, não vai? – perguntou de repente.
E eu ia saber lá de chuva numa hora daquela? Não queria saber de tempo fechado ou aberto, não queria ficar relax, queria era foder.
Ele ficou sério, como se eu estivesse ofendendo-o.
– Estou te ofendendo, Vic?
– Claro que não.
Repeti mais umas duas vezes. Definitivamente, o que eu queria era que nos fodêssemos. O Vic concordou um tanto rouco no meu ouvido, ele também queria, muito, muito. Falou um palavrão à toa, me machucou entre as suas pernas. Falei outro, não me aperte aí, seu porra. Tá pensando que sou o quê!
Ele veio com maquiavelismos:
– Agora, aqui na cama, vai ser o que eu quiser. – e prendia meus braços, me imobilizava inteiro.
– E você? – eu perguntei – Também vai ser o que eu quiser?
Ele confirmou: totalmente.
Ficamos nos olhando parados, creio que devido ao peso das confissões.
Fui me deixando ficar dentro do calor que começava de mim pra ele, dele pra mim, sentindo o que havia de não-perfume no peito, nas axilas nossas. Amava, por fim, aquele que eu sempre quisera desde o primeiro estar no mundo. Ensaiamos maneiras, ângulos. Paramos.
Recomeçamos.
As mãos são sempre cruéis e, Deus, como eu arfava! Depois de tanto tempo, quando finda a espera, um segundo é tudo. Do meu peito irrompia uma espécie de grito aos pedaços, como quando você abafa e o ar foge aos pouquinhos, sem alvoroço. Do Victor, só vinha loucura. O corpo atiçado num desenfreio sobre mim, eu não conseguia mais guiá-lo, seu pedir entredentes: “amor, me estraçalhe” me catapultava contra a parede do seu corpo, nossas paredes e nossos corpos... Ditas assim, talvez essas coisas de nada valham. [...]

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